Alimentos ultra-processados são pobres em nutrientes e ricos em calorias
Luiza Caires e Diego Rodrigues
Agência USP de Notícias
Cientistas do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP estão desenvolvendo estudos com o objetivo de relacionar, a partir de estatísticas comprovadas, o aumento no consumo de alimentos ultra-processados e a epidemia global de obesidade.
Os estudos vão avaliar tipos de processamento e seu impacto potencial sobre a dieta e a saúde; os mecanismos que ligam tais produtos ao chamado ‘sobreconsumo passivo de energia’ e à obesidade; a tendência mundial da participação deles na dieta; e, finalmente, as implicações de tudo isso para as políticas públicas.
Segundo o professor Carlos Augusto Monteiro, que coordena o Núcleo e o estudo, a pesquisa ainda está em sua fase inicial, na formulação de hipóteses — mas os primeiros levantamentos disponíveis mostram que a “comida pronta” tem tudo para ser uma das maiores vilãs do excesso de peso e doenças associadas.
Processamento
Por uma série de operações chamadas de processamento, alimentos in natura são convertidos em produtos alimentícios menos perecíveis e cujo consumo requer menos procedimentos culinários. Estes são divididos entre os minimamente processados, os ingredientes culinários em preparações com os minimamente processados, e os ultra-processados propriamente ditos.
No primeiro grupo, estão itens como hortaliças limpas, grãos polidos, feijões secos, leite pasteurizado, e carne congelada, com perda discreta de nutrientes. Já os ingredientes culinários incluem alimentos como açúcar, óleo de milho e farinha de trigo, com grande perda de nutrientes. Apesar das facilidades que representam no que diz respeito ao armazenamento e ao sabor, esses alimentos já trazem o risco de resultarem em refeições extremamente calóricas e com excesso de gordura e açúcar.
O terceiro grupo, dos ultra-processados, é o mais perigoso. Embora o ultra-processamento dê origem a produtos não perecíveis, que agradam facilmente o paladar, e que demandam mínima — ou nenhuma — preparação culinária, há enorme perda de nutrientes, fibras e água. A presença de aditivos, o volume excessivo de gorduras não saudáveis, açúcar e sódio, além da indução ao sobreconsumo passivo de energia completam a lista dos malefícios. Alimentos como biscoitos industrializados, salgadinhos, refrigerantes, chocolates, fast food são exemplos de produtos ultra-processados.
De acordo com Monteiro, estudos já documentaram que em seu conjunto, quando comparados aos alimentos minimamente processados, os produtos ultra-processados tendem a apresentar mais açúcar, mais gordura saturada, mais sódio, menos fibra e maior densidade energética.
Agravantes
A alta densidade energética não é o único mecanismo que liga o consumo dos ultra-processados à obesidade. Também entram na conta a ingestão de ‘calorias líquidas’ (bebidas adoçadas e muito calóricas); a hiperpalatabilidade, estimulando o consumo mesmo quando a pessoa se sente ‘satisfeita’; a adição de químicos, a prática do mindless eating (algo como ‘comer sem se preocupar’) e do consumo de porções gigantes; além de ações de marketing agressivas – e mesmo antiéticas — por parte da indústria.
“Uma estratégia recente envolve o desenvolvimento de ultra-processados especialmente destinados a consumidores de baixa renda de países emergentes”, revela o pesquisador. Para isso, são feitas ações como a fortificação com vitaminas e minerais, a comercialização dos alimentos em ‘embalagens econômicas’ e a criação de novos canais de comercialização, como a venda porta a porta e a utilização de vendedores recrutados na própria comunidade. “O marketing dos produtos ultra-processados promove o comer compulsivo”, alerta.
Para o docente, os investimentos no marketing de alimentos estão concentrados em produtos ultra-processados por se tratarem de produtos com grande margem de lucro (ingredientes baratos), além de serem — ou parecerem — ‘únicos’, tornando-se assim facilmente ‘produtos de marca’.
Dados de 2009 demonstram que estes alimentos, muitos dos quais controlados por corporações transnacionais com presença mundial, já representavam quase 28% do total calórico da cesta nacional de alimentos brasileira, e com tendência a crescer. Na opinião de Carlos Monteiro, somente a reformulação de produtos ultra-processados não resolve o problema.“Pelo menos no que concerne à prevenção da obesidade, a única solução são ações públicas efetivas para deter ou reverter o crescimento do consumo de produtos ultra-processados”, defende.
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